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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

PSICOTERAPIA PARA IDOSOS


Para muitas pessoas, psicoterapia para pessoas "idosas” (as que já ultrapassaram os 60 anos de vida) ainda parece algo estranho.

Nessa atitude de desconfiança e de dúvida, quanto à pertinência desse tipo de ajuda para essa faixa etária, há um preconceito que foi desenvolvido durante muitos anos em nossa sociedade. Aprendemos que a vida é composta de fases: infância, adolescência... Etc... Aprendemos também que a fase de construção, de "investimento" nos projetos de vida, se situa num período que vai do nascimento até a juventude. Depois disso a pessoa deverá colher o que plantou e, se ela não plantou no tempo certo, não há mais muito a se fazer, ou a se tentar recuperar, quando a idade avançar.

A idade da velhice, ainda que muito relativa, é comum que se a veja como um período da existência no qual a pessoa não tem saída, não tem futuro.

Mergulhado numa visão tão pessimista em relação ao futuro, nossa sociedade não vê sentido em se tratar uma pessoa de idade que apresente problemas existenciais, pois ela, diferentemente de um jovem, não apresenta mais a força para construir, motivação suficientemente forte para investir no tempo de vida que lhe resta.

Terapia com idosos será no mínimo uma perda de tempo, um investimento sem retorno ou coisa assim. Muita gente ainda pensa deste modo.

Tenho a impressão que, em nosso mundo atual, cada vez mais somos programados para valorizar a quantidade, deixando de lado uma questão muito importante que é a qualidade. Pensando nestes termos, o jovem tem MUITO tempo de vida a ser vivido e, portanto, vale a pena investir nesse futuro. Por outro lado o idoso tem POUCO tempo de vida e, sendo assim, não vale a pena investir no seu futuro.

Esse terrível equívoco é responsável- em grande parte - pela própria atitude do idoso que acaba também acreditando nessa afirmação totalmente descabida.

Em termos práticos basta a constatação seguinte: um jovem pode viver somente mais um ano e uma pessoa de 50 pode ainda viver mais de vinte. Ou seja, a gente às vezes esquece que o futuro é imprevisível e, portanto, nunca saberemos ao certo quanto tempo de vida nos resta. Imaginar que resta ao idoso pouco tempo de vida e que, por isso, não faz diferença se ele investir ou não no seu futuro, é uma forma bastante preconceituosa de se pensar.

Da mesma forma que acontece com qualquer pessoa, tenha ela dias de nascida ou dezenas deles, a qualidade de vida do idoso se torna o fator mais significativo a se colocar em foco e a se transformar em meta.

Ocorre que, provavelmente uma das dificuldades maiores enfrentadas pela pessoa com mais anos de vida, que já tem uma história pessoal longa, é acreditar que possa mudar o rumo que sua vida tomou. Ela considera que "já é assim há muitos anos" e portanto não será agora que irá conseguir mudar alguma coisa em sua vida, nem no seu modo de pensar e agir. Ela se sente ancorada no passado, presa às suas verdades, ao "seu destino".

Quando, por alguma razão a pessoa de idade chega a iniciar uma terapia e o terapeuta a acolhe com atenção, respeito, compreensão diante de suas dores, inseguranças, medos... ela também começa a experimentar dentro de si uma maior aceitação de seu modo de ser, de sua história pessoal e , aos poucos , vai a se desvencilhando das âncoras que a amarra ao passado e que a impedem de ver o futuro como algo promissor. Na verdade, qualquer terapia bem sucedida acarreta uma mudança no cliente. Mas o que vem a ser essa tal mudança?

Essa indagação surge, com freqüência, quando se fala de terapia com idosos. Surge sempre a pergunta: será possível uma pessoa de idade mudar já que ela é assim há tanto tempo?

As pessoas "leigas" geralmente pensam que uma pessoa " muda " quando passa a ser " outra" , ou seja , deixar de ser o que sempre foi. Pensam que mudança implica numa subtração ou numa substituição do que somos por coisas novas. A idéia é quase como se arrancássemos o que não serve, o que não é bom em nós, e, em seu lugar, colocássemos coisas novas, boas, úteis... Com isso a pessoa que mudou passaria a ser "melhor do que era antes".

O que acontece no processo que eu chamaria de mudança é uma operação diferente onde não há lugar para subtrações mas sim para acréscimos, somas àquilo que já somos.

Não podemos tirar ou substituir nada do que já vivemos, do que aprendemos, do que experimentamos. Portanto, apagar o que passou, esquecer fatos acontecidos, fazer de conta que o que passou, passou, é, no mínimo, a maior mentira que uma pessoa pode pregar para si mesmo. Sabemos, por experiência na clínica, o quanto é difícil para uma pessoa mudar, mesmo quando ela diz querer isso.

O processo de mudança pessoal esbarra sempre num problema bem complicado que é a necessidade que todos nós temos de manter nossa integridade psicológica, a nossa identidade, o nosso " self ", a imagem que a gente tem da gente.

Se uma pessoa sempre se percebeu de um determinado modo, com determinadas características que ela identifica como " propriedades suas" , quando se dá conta que talvez esteja equivocada em relação aos atributos que ela identifica como sendo "seus" , um estado de ansiedade começa a se manifestar nela. Ela está em vias de se perceber de maneira nova, sob outro ângulo que até então não conhecia. É como se " ela estivesse prestes a deixar de ser ela". E isso lhe parece de certo modo perigoso assustador... Fica com medo. Muitas vezes refuga, volta para trás, nega essa nova forma de se perceber e de perceber o seu mundo.

Num processo terapêutico que esteja evoluindo bem, a relação estabelecida entre terapeuta e cliente se dá num clima de alta confiança, de aceitação, de compreensão, de sinceridade... e tudo isso favorece o surgimento de uma diminuição do medo ao qual me referi acima. O cliente vê no terapeuta um ajudante confiável, uma pessoa que está ali com ele e lhe dando suporte suficiente para que ele tenha coragem de enfrentar as conseqüências dessas " novas percepções" e dessas " novas descobertas sobre si mesmo". A mudança acontece, portanto, quando podemos ver o nosso mundo interior e exterior por ângulos novos sem desprezar os outros ângulos pelos quais estamos acostumados a vê-los. Mudança é soma, e não subtração.

Na verdadeira mudança, por começarmos a ter novas formas de perceber nossa realidade, nossas ações também acabam sendo realizadas de modos novos. Pensando assim, a mudança é possível para qualquer pessoa, de qualquer idade.

Nosso passado, nossa experiência pessoal, é nosso patrimônio mais valioso. Não temos que nos desfazer dele, mas, pelo contrário, utiliza-lo em nosso favor.

Quando numa terapia podemos , com o máximo de serenidade e confiança, ver o que trazemos em nós e que foi construído com o tempo, a nossa "bagagem", podemos também usar este material em nosso benefício de tal forma que nosso presente possa ser mais bem organizado, melhor vivido, mais gratificante, se transforme numa realização pessoal.

A pessoa de idade avançada, teoricamente, possui uma enorme bagagem e, com ela poderá construir o seu futuro de uma maneira fantasticamente positiva, tenha ele o tamanho que tiver.

Aceitar a idade, aceitar as limitações impostas por ela, não se prender ao que deixou de ser feito e sim ao que ainda poderá ser realizado, e tantas outras coisas, talvez fique na base do que se espera de uma terapia bem sucedida nesta faixa etária. Isso não é muito diferente do que se propõe para a terapia de um jovem, mas, indiscutivelmente, a operacionalização do processo talvez o seja.

Algumas pessoas que atendi que já passavam dos 70 anos, me ensinaram que é importante que o local de atendimento tenha algumas características que nem sempre são necessárias quando se trata de um cliente jovem. Por exemplo, um jovem pode ser atendido se sentando em almofadas, em cadeiras baixas, ou até mesmo no chão ( muitos clientes meus, jovens, preferiam ser atendidos assim). As condições de atendimento, quando se trata de uma pessoa idosa, não são tão simples assim, mesmo que aquele cliente seja ágil, com boa elasticidade, etc. ...

Outro aspecto a se destacar são algumas atitude do terapeuta : sua fala, seus gestos. Isso tudo é , via de regra, muito observado pelo idoso sendo que eles - na sua maioria, e principalmente nas sessões iniciais - se sentem mais à vontade num contexto que eu denominaria de "semi-formalismo" ( onde haja algum nível de cerimônia, de formalidade e, ao mesmo tempo de descontração ).

Eventualmente atendemos idosos internados em clínicas geriátricas, nas suas residências ou nas de parentes seus. Nesses casos, quando uma doença grave , ou uma outra limitação, os impedem de irem até o consultório, tem-se comprovado empiricamente que se torna muito importante que , assim que eles possam se locomover, sejam atendidos no consultório. É como um primeiro passo para sua melhora global. Nesses casos é necessário que o contexto ao redor desses pacientes seja também alvo de nossa atenção.

Há casos onde se torna imperioso um trabalho junto com a equipe de atendimento ou, se ele estiver em casa, com a família.

A participação da família - quase sempre- é de suma importância para o resultado da terapia com o paciente muito idoso, pois, quase sempre é nela que repousa todas os pilares da construção da melhora dele.

Há muitas instituições que possuem profissionais muito competentes, mas nem sempre preparados para lidar com alguns pacientes que apresentam uma história pessoal e familiar complexas.

Há quem nos pergunte se os pacientes demenciados, mentalmente limitados, podem se beneficiar do atendimento psicológico. A nossa resposta é, sem dúvida, sim, principalmente se levarmos em conta que, especificamente nesses casos, a ação terapêutica é mais abrangente e engloba, além do atendimento direto do idoso, todo o contexto ao seu redor. Busca-se, com esta ação mais ampla, a criação de um meio ambiente mais sadio e rico de possibilidade que proporcionem um maior bem-estar físico e afetivo para o cliente.

O que precisamos levar em consideração é que os benefícios que uma pessoa com limitações intelectuais ou mentais podem receber serão, de alguma forma, proporcionais ao nível de suas limitações e às condições do meio no qual ele está vivendo. Mas, todas elas - de alguma forma- se beneficiam.

Certamente, entre as abordagens teóricas que conhecemos as que não estão calcados numa valorização de fatos passados, sonhos, transferências, ou que não estejam focadas em programas de reeducação de condutas ou descondicionamentos, as que não tenham como objetivo "tirar" ou "colocar" nada na pessoa atendida cremos que essas tenham mais chance de conseguir um nível bom de ajuda às pessoas da terceira idade.

Terapias que enfatizem a aceitação da pessoa de idade exatamente como ela é, que optem por compreendê-la, criar um clima de afeto e de respeito por tudo àquilo que ela é a meu ver têm uma grande chance de conseguir um bom nível de ajuda com esse tipo de cliente.

Eu diria que o importante é que- independentemente do enfoque teórico básico do terapeuta- ele confie na riqueza que o idoso traz consigo, sua experiência de vida e saiba que, se pudermos aceitar sua história, o idoso saberá, por si mesmo, organizar seu futuro de modo profundamente sábio.

A pessoa idosa, quase sempre, está buscando "somente isto": alguém que o ajude a acreditar em si mesmo, que o compreenda, aceite e o ame.

O passado para ela - alegre ou triste - é lembrado, trazido para discussão ou não, e quando pode ser aceito e compreendido, se transforma num agente potente de mudança positiva.

Sua maneira às vezes fisicamente desajeitada, sua audição nem sempre tão boa como nos velhos tempos..., suas mãos não tão firmes como há 30 anos passados, sua memória que, agora, costuma falhar... E outras dificuldadesinhas que lhe fazem companhia hoje em dia, uma vez sendo carinhosamente aceitas, faz com que a pessoa de idade recupere sua autoestima, sua autoconfiança, sua vontade de fazer da vida algo interessante e emocionante. Em outras palavras, essa aceitação e compreensão criam condições para que a pessoa sinta que viver vale a pena e que a realização pessoal pode chegar a qualquer momento na vida de qualquer pessoa, e que ela própria é a construtora dessa realização.

Muitos idosos passam a viver uma vida bastante afastada do convívio social e, dentro da própria família, seus anseios, suas histórias, seu modo de pensar, etc... Acabam por deixá-los de certa maneira sem chance de estabelecer relacionamentos que lhe sejam enriquecedores, interessantes, motivadores... Principalmente quando ele, ou ela, já não tem mais o seu (sua) companheiro (a).

A viuvez traz, para a pessoa de idade mais avançada, um tipo de isolamento que pode ser cruel: filhos casados, vivendo em suas próprias casas, nem sempre próximas da casa de seus pais. Resta-lhe então se ligar a alguém da família, ou a uma pessoa amiga, ou a uma "enfermeira", ou acompanhante, para viver em sua casa ajudando-a conviver com essa nova realidade.

São momentos difíceis para muitos idosos, principalmente para aqueles que, por tipo de personalidade, são mais reservados ou não acostumados à convivência com estranhos à família. A ajuda psicológica individual parece não ter tanto impacto quanto o atendimento em grupo quando se trata de pessoas como as descritas no parágrafo anterior. Inicialmente, de modo análogo àquele que descrito sobre o início do atendimento individual, também em grupo a pessoa começa participando muito timidamente. Aos poucos vai se soltando e, se ela conseguir passar de um ponto crítico na sua vivência no grupo, talvez ela consiga um benefício surpreendentemente grande com essa experiência.

Como terapeuta de alguns grupos nos quais a maioria era de pessoas da terceira idade, pude notar que esse "tempo e espaço”: o "quando" e o "onde" as sessões de grupo aconteciam eram altamente valorizados por seus participantes. Era o momento e lugar elas onde podiam trocar experiências com outras pessoas de sua idade e entender suas próprias angústias, sentimentos, questionamentos, medos... Através dos relatos dos colegas de grupo. Eram uma forma de sair da "solidão" e encontrar amigos, pares, pessoas que devolviam a ela sua verdadeira condição de ser humano. Ela não era mais um traste, um peso para a família, alguém que já estava caducando ou com a qual não se poderia mais contar como "força de trabalho"...

Este tema é longo e gostaria de poder dedicar a ele um livro. Mas o propósito deste trabalho é levantar apenas algumas questões e, para finalizar, chamo atenção para um tópico que é também relevante quando falamos na ajuda psicológica às pessoas idosas: o "trabalho" a "ocupação".

O idoso se beneficia das atividades nas quais possa se envolver. Os nomes, trabalho e ocupação, precisam ser compreendidos como qualquer atividade desenvolvida pelo idoso que possa trazer, para ele, realização pessoal. Essa atividade pode se desenvolver num contexto onde ele atue sozinho, por exemplo, fazendo uma pintura, uma obra literária, uma escultura, ou cultivando plantas... Ou se desenvolver num contexto de relacionamento humano, associada a pessoas ou grupos, como acontece quando se ajuda alguma instituição de caridade, ou de tratamento, ou obra social. Enfim, nelas o que há em comum e importante é que sua atividade possa ser reconhecida e valorizada, trazendo para o idoso o sabor de realização.

Embora o trabalho psicoterápico na terceira idade não tenha como objetivo dirigir o idoso para atividades como as descritas acima, temos observado que , quando a terapia caminha positivamente, naturalmente aquela pessoa acaba se direcionando na busca de atividades do tipo que citamos acima. Ela se "descentra de si" e começa a perceber que sua participação no mundo ainda é possível, desejável e que isso lhe traz um reencontro com a vida no sentido mais pleno possível.

Tanto quanto o jovem, a pessoa da sétima década pode ser altamente beneficiada por uma ajuda psicoterápica, principalmente se pudermos rever e re-entender algumas palavras tais como: vida, morte, velhice, realização pessoal, passado, futuro... E tantos outros que em nossa cultura são profundamente carregadas de preconceitos.

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Texto escrito por J.L.Belas - jan. 2002

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